segunda-feira, 3 de maio de 2010

Em que mundo nós estamos?


                              Em que mundo nós estamos?
           Lembrei de ter perguntado a uma pessoa o seguinte: em que mundo nós estamos? Ela achou estranha a pergunta. Finalmente, respondeu: estamos no mundo do planeta “terra”. Eu dei risada. Risada não pela resposta, mas pelo jeito que ela respondeu. Claro, estamos no planeta “terra”. Eu perguntei de novo: O que tem nela (terra)? Ela respondeu: seres humanos, coisas ruins e coisas boas. E assim vai.
Esse pequeno diálogo me leva a refletir sobre a nossa sociedade.

     
           Tendo presente, de vista geral, a sociedade, nós estamos diante destas realidades: competição, dominação, conflitos, desemprego, opressão e resistência. Racismo, desastres naturais, violência, ameaças, debates nucleares, terrorismo, desunião e ruptura. Individualismo, maldade, exploração, tráficos, prazer, escândalos, mobilidade humana, jogo político, jogo econômico, fome e poluição. Por outro lado, estamos num mundo de progresso. Progresso da ciência, meios de comunicação e da tecnologia etc. Enfim, um mundo “salve-se quem puder”. Se fosse resumir, teríamos: corrupção, progresso e ganância. Todos esses elementos são realidades inseridas na sociedade. Tudo isso faz com que nos perguntemos no decorrer do cotidiano, mesmo sabendo: “em que mundo nós estamos”?
          Um mundo onde muitos preferem comprar armas, carros de combate, aviões, helicópteros para guerra...Numa palavra, compra de equipamento bélico. Enquanto isso, o povo daqueles sofre de fome, de saúde, de educação e de outras realidades. Um mundo onde poucos usufruem (gozam) e têm direitos e, a maioria passa por necessidade.
         A realidade da sobrevivência no mundo globalizado está se tornando mais complexa e difícil para os pobres, onde poucos estão com muito, muitos estão com pouco, e a grande maioria está sem nada. O grande pecado do mundo globalizado é que ele veio trazendo uma “desigualdade social”. Essa desigualdade social cria na sociedade uma “tensão ou preocupação” em cada ser humano.
Diante de uma tal globalização, qual é a opção preferida dos mais necessitados? Não seria cruzar ou romper com as fronteiras do país vizinho?
       É uma resposta desafiadora que se dá no que chamamos: mobilidade humana. É um fenômeno muito complexo e amplo no seu estudo. Porém, não todos, da mobilidade humana que saem por necessidade. Necessidade sim, mas uma necessidade para conhecer ou para curtir ou gozar. Por exemplo: o “turismo”.
      Mobilidade humana envolve todas as formas de deslocamentos no espaço: migrantes, refugiados, marítimos, turistas, desplazados. Desplazado: (essa palavra tem mais a ver com a Colômbia pelo conflito que existe entre a guerrilha, outras forças armadas no país. Esse conflito provoca saídas forçadas de muitos colombianos à procura de outros lugares). Isso não acontece só na Colômbia. É também em alguns países da América Latina.
      E um outro grupo conhecido como “itinerantes” (passantes, viajantes). Como exemplo: turistas, marinheiros, caminheiros, pescadores etc. Por essas razões que dissemos desde no início de nossa reflexão que o fenômeno da mobilidade humana é muito amplo e vasto. A mobilidade humana, pois, se trata de maneira geral, “deslocamento de pessoas”. Cuidado! Os deslocamentos não podem ser vistos de mesma maneira. Por exemplo o deslocamento de um turista e um refugiado é muito diferente.
      Para evitar confusão de qualquer estudante iniciante que estiver lendo esse pequeno escrito, seria bom deixar claro estes dois vocabulários: deslocamento e desplazados. O fenômeno, no seu conjunto, trata de “deslocamento” de pessoas por muitas razões ou necessidades, mas não se trata de “desplazados” no seu sentido amplo; melhor dizendo “deslocados”. O desplazado, no seu significado, é um termo espanhol para designar o deslocamento de grupos humanos de uma área/região para outra dentro de um mesmo país, em virtude de situação de guerrilha. Posteriormente, o termo estendeu-se também aos desplazados por motivos econômicos ou catástrofes naturais. O desplazado é, pois, alguém forçado a deixar o seu país por razões muitas.
      Dessas realidades, o que mais nos chama atenção na sua perplexidade e complexidade nos dias de hoje, é sem nenhuma dúvida a “migração”. Nesse pequeno escrito, não se trata de uma reflexão sobre a mobilidade humana, mas uma pequena reflexão a partir da realidade humana.
      A migração na sua amplitude contém: emigração, imigração; também: refugiados e desplazados. Geralmente, a pessoa é conhecida como “migrante”. O tema apropriado para identificá-la é: imigrante e emigrante. Para o país de origem, o migrante é um emigrante, e para o país de chegada o migrante é um imigrante. Assim sendo, podemos elaborar esta seguinte relação: migrante-emigrante e migrante-imigrante. Na verdade, todo emigrante é imigrante e vice-versa.
      Na maioria das vezes, quando se fala de migração, muitos pensam que trata-se de viajar de um país para outro. Na verdade  não é sempre assim. Por exemplo: Marcelo mora na Bahia e passa por São Paulo. Ele fez uma mudança de região ou estado. Assim, percebe-se que a migração é também uma troca de estado, de região ou de país. Conforme o exemplo de Marcelo, anota-se que migrar é uma vida daqui para lá, de ida e de volta. Desse fato, o migrante num outro sentido, pode ser visto ou definido como um “ser insatisfeito” de sua condição de vida sai em caminho à procura de melhores condições de vida. Deste modo, o migrante além de ser chamado “migrante”, é também um “agente de desenvolvimento”. É ainda alguém sem pátria. A sua pátria é o lugar que lhe dá o pão.
      A migração está se tornando cada vez mais objeto de “estudo”, de debate nas escolas, nos Institutos, nas Universidades, nos Movimentos sociais, nas Políticas migratórias, nas Organizações e Seminários. Esse fenômeno deixando governos de certoss países muito preocupados. Isso faz com que eles entrem em vigor a necessidade em busca de novas medidas (leis), de aplicação de políticas de controle e restrição. Às vezes existem barreiras ou muros construídos impedindo a entrada do migrante. Quando não é barreira, são agentes policiais plantados, controlando o fenômeno. Tudo isso acontece no lugar que chamamos “fronteiras”.
      Fronteira é lugar de encontro, de integração, de partilha, de separação, de divisa territorial, de limite etc. Por Exemplo: um vasto país como o Brasil, no sentido territorial, que compartilha fronteira com quase todos os países da América Latina (exceto: Chile e Equador). Se fosse construir muros, quantos construiria? Hoje em muitos países, infelizmente, se fala muro ou ponte nas fronteiras, impedindo o acesso ou a entrada do migrante.
     
Nesses últimos tempos, muitos países vieram de sofrer de“desastres naturais”, como terremoto, enchentes e tsunami. Países como, Haiti (terremoto), Chile (terremoto), China (terremoto), Brasil (Rio de Janeiro, enchentes), Filipinas (enchentes), Japão (terremoto, tsunami) etc. Diante dessas realidades, a migração é cada vez maior, mais acessível e desafiador. Desse fato, milhões de desabrigados estão de saída à procura de um lugar para recomeçar uma nova vida e um novo sonho. Esses migrantes são chamados "migrantes ambientais". Só na União Européia, todos os anos milhares de pessoas morrem tentando entrar num dos estados membros. Além desses fatos, estima-se que mais de 3 milhões imigrantes vivam clandestinamente na UE. (http://imigrantes.no.sapo.pt/page3.html) 
      Eu sempre ouvi dizer que o único alimento da vida é o risco; quanto mais você arrisca, mais você está vivo. Dialogando com o autor polaco, Ryzard Kapuscinzky, que dizia que a vida consiste em saltar fronteiras, em cruzar fronteiras, pode-se anotar que se trata de uma grande realidade vivida pelos migrantes. A vida do migrante, nesse sentido, pode ser comparada a um atleta, sobretudo, a um jogador de futebol. O jogador em campo busca a vitória. O migrante também procura ganhar algo para sustentá-lo e melhorar a sua condição de vida. De acordo com o  polaco e ainda o norte-americano John L. Lewis, líder trabalhista que dizia: todas as formas de governo caem diante da necessidade por pão. Para o homem com uma família faminta o pão passa em primeiro lugar – antes de seu sindicato, de sua pátria, de sua religião. O migrante vai e não sabe o que lhe espera. Na cabeça dele, a única coisa é se lançar para realizar seu sonho.
      Não podemos aqui falar de migração sem lembrar o grande apóstolo italiano, o pai dos migrantes. Quem está refletindo sobre esse tema sem falar desse grande apóstolo, seja lá o que for, ainda não está fazendo nada; pretende fazer. Não estou sendo radical demais, mas sendo realista. Diante daquelas crises que viviam muitos países da Europa, como a Itália, a solução era “migrar” para as Américas à procura de uma melhor condição de vida sócio-econômica. Aquelas crises eram vistas, sobretudo, por “falta de trabalho” (indústrias), fome, guerras, epidemias etc. O padre João Batista Scalabrini, depois que se tornou Bispo de Piacenza; tocado pela situação, partiu em ação. Por amor, compaixão e serviço à Igreja, fundou a Congregação dos Missionários e Missionárias de São Carlos a serviço dos migrantes.
      Hoje, a nosso ver, podemos falar de uma “virada migratória”. A Europa de ontem viu partir milhares de filhos em busca de pão para as Américas. Hoje, a Europa se vê confrontada com a chegada de grandes fluxos migratórios que vêm à procura do pão e do trabalho que as suas terras de origem lhes negam. Assim, a Europa está se tornando cada vez mais um lugar impenetrável ou inacessível a migrantes.
      Não podemos terminar aqui a nossa reflexão da realidade migratória sem mencionar três elementos importantíssimos: a Bíblia, a missão da Igreja e a atuação dos Scalabrinianos.
      No Antigo Testamento, sobretudo, o Pentateuco; a sua formação se dá em torno de uma estrutura migratória. Veja bem, Deus criou o céu e a terra e criou o ser humano. Esse mesmo ser começou a construir histórias e caminhar para outra terra. Exemplo: Abraão que se tornou imigrante em Canaã por ordem de Deus (12, 1-3), o povo de Israel que se encontrou no Egito sofrendo como escravos (EX 1) etc. No Novo Testamento, Jesus viajava de barco, outra viagem fora de Israel foi às cidades de Tiro e Sidom, na Fenícia, acima da Galiléia. Um outro fato, o rei Herodes procurava matar Jesus quando era criança. Maria e José, seus pais, fugiram com Ele. Isso nos mostra que a migração foi uma experiência vivida pelo próprio Jesus. No Evangelho de João 1, 14 lemos: “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade”. Enfim, um Deus que veio até nós para a nossa salvação.
      A Igreja como Mãe, Acompanhadora, Protetora, Mestra, Anunciadora e Perita em humanidade, no esforço para proteger os direitos dos migrantes, refugiados e itinerantes, os acolhe. A mãe é sempre assim, ela tem um jeito especial para com o seu filho. A Igreja é assim, age como Mãe . Como diz o Documento de Aparecida, “os migrantes devem ser acompanhados pastoralmente por suas Igrejas de origem e estimulados a se fazerem discípulos e missionários nas terras e comunidades que os acolhem, compartilhando com eles as riquezas de sua fé e de suas tradições religiosas” (Doc. Aparecida, nº 415). Ainda, nos lembramos da afirmação de São Cipriano: “Ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tem a Igreja como Mãe”(de Cathol. Ecc. Unitate, 6). Isto nos faz recordar o documento final do VI Congresso Mundial da Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, divulgado no dia 12 de fevereiro: “Para a Igreja, a migração é um assunto pastoral prioritário”. O tema do Congresso foi: “Uma resposta pastoral ao fenômeno migratório na era da globalização”. Até aqui, com o pouco que falamos, a Igreja Católica é perita em humanidade, continua sendo e continuará sendo a real esperança da humanidade e a possibilidade a uma nova vida.
      Não podemos aqui esquecer, todavia, a resposta generosa de muitos homens e mulheres de Associações e Organizações que, diante do sofrimento de tantas pessoas, causado pela emigração, lutam pelos direitos dos migrantes, forçados ou não, e em sua defesa. Este empenho é fruto especialmente daquela compaixão de Jesus, Bom Samaritano, que o Espírito suscita em toda a parte no coração dos homens de boa vontade, além da própria Igreja que “revive uma vez mais o mistério do seu Divino Fundador, mistério de vida e de morte”. O dever de anunciar a Palavra de Deus confiada pelo Senhor à Igreja se entrelaçou, desde o início, com a história da emigração dos cristãos. (Pontifícia Comissão para a pastoral das Migrações e do Turismo, Carta Circular às Conferências Episcopais Igreja e Povo em Mobilidade, 8, Cidade do Vaticano 1978, p.11.). O mesmo documento, capítulo III, art.12, 1 continua dizendo: Todos os Institutos nos quais, freqüentemente, se encontram religiosos provenientes de várias Nações, podem dar uma grande contribuição para a assistência aos migrantes. As Autoridades eclesiais, porém favoreçam em particular a obra desenvolvida por aqueles que, com o sigilo dos votos religiosos, têm como fim próprio e específico o apostolado a favor dos migrantes, ou que adquiriram uma notável experiência neste campo.
      Voltemos à última frase que diz assim: As Autoridades eclesiais, porém favoreçam em particular a obra desenvolvida por aqueles que, com o sigilo dos votos religiosos, têm como fim próprio e específico o apostolado a favor dos migrantes, ou que adquiriram uma notável experiência neste campo. É
nesse campo da Igreja que atuam os padres, religiosos, missionários e leigos scalabrinianos, como fim próprio, e apostolado específico. Hoje, a Congregação Scalabriniana está presente em 31 países acompanhando o migrante no seu dia a dia. Depois de tudo, é fácil anotar em Bispo Scalabrini como um homem que teve muito amor e compaixõ pelos seus irmãos e pela Igreja; Um homem de Deus, um homem que sabia dar resposta diante dos problemas da vida.
      Enfim, em que mundo nós estamos? Estamos num mundo de progresso, de ganância, de violência de todo tipo, pobres cada vez mais pobres, ricos cada vez mais ricos. Estamos num mundo onde a mobilidade humana cresce cada vez mais; um mundo onde os conflitos e contradições se repetem cada vez mais; um mundo, dizem alguns estudiosos, que está grávido. Afinal, em que mundo nós estamos? Conscientes dessas realidades, sem dúvida nenhuma, estamos num mundo que está gemendo em dores de parto. Esses problemas engravidam o mundo, e fazem com que o mundo esteja gemendo em dores cada vez mais.
Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê o seu irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? E ainda: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1 Jo3, 16-17.14).
Compaixão e Amor uns aos outros para construirmos juntos a nossa sociedade! Inclusão e não exclusão.

Num mundo de migração, torno-me migrante a serviço dos migrantes
Pierre Dieucel